Consumidores que estão inadimplentes correm o risco de ter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o passaporte e até os cartões de crédito suspensos pela Justiça. Fotos publicadas nas redes sociais que revelam o padrão de vida do devedor, então sendo usadas como prova judicial.
Uma decisão da 1ª vara Cível de Ipameri (GO), expedida em junho, bloqueou os cartões de crédito de um devedor até ele quitar seus débitos com uma instituição financeira.
O juiz Luiz Antônio Afonso Júnior considerou as medidas necessárias por entender que havia “indícios de ocultação de bens”. Ele também bloqueou a habilitação e o passaporte do devedor.“Há provas claras de que o executado tem padrão de vida incompatível com o patrimônio declarado para a Receita Federal do Brasil. Em redes sociais (Facebook e Instagram), o executado demonstra levar uma vida de luxo e ostentação, com viagens rotineiras a cidades turísticas nacionais e internacionais, o que não condiz com seu salário mensal e com seus bens”, escreveu na decisão.
Com dificuldades para cobrar uma dívida de um empresário do ramo do agronegócio, o escritório incluiu na ação imagens publicadas pelo próprio devedor em redes sociais que mostravam diversas viagens ao exterior “Conseguimos o bloqueio do passaporte dele. Imediatamente fomos procurados por seus advogados para realizar um acordo.”
Bloqueio de CNH e passaporte
No início de junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ ) autorizou a suspensão da CNH de um homem de Sumaré (SP) até ele quitar uma dívida de R$ 17 mil com uma instituição de ensino. A decisão foi considerada por juristas um precedente para que outros endividados brasileiros também tenham suas habilitações suspensas.
O Brasil fechou o primeiro semestre com 63,6 milhões de devedores, segundo o SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas.
A suspensão de documentos e de cartões ganhou espaço a partir de 2016, quando entrou em vigor no novo Código de Processo Civil, que autorizou a aplicação das chamadas “medidas atípicas” para fazer cumprir uma decisão judicial.
O que os devedores precisam ficar atentos é que o bloqueio dos documentos só pode ocorrer após o juiz esgotar todas as “medidas típicas” no processo, explica o advogado Coppola Jr., que também é professor de direito empresarial na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
Os dois principais procedimentos tomados contra os devedores são a penhora online e a penhora de bens. Na penhora online, o juiz tenta reaver o dinheiro para o credor em contas ou investimentos do devedor. A busca é feita com auxílio do Banco Central. Além disso, também é realizada uma busca por bens e imóveis registrados no nome do devedor para penhora. Se nada for encontrado, só então é que o credor pode solicitar ao juiz a suspensão de documentos e cartões.
Devedores em alerta!
Ainda assim, alerta o professor, essas medidas consideradas “agressivas” não podem ser “desproporcionais” ao devedor. Em outras palavras: se a habilitação para dirigir for essencial para a subsistência, ela não poderá ser suspensa. “O juiz não pode bloquear um passaporte ou a CNH de quem depende disso para subsistência. A medida tem que ser proporcional. Mas isso funciona muito bem com devedores que têm dívida de maior montante.”
A análise tem que ser feita caso a caso. E quando o devedor não tem condições de pagar o débito, o processo deve ser suspenso até que ele se encontre em uma situação financeira melhor. “Uma pessoa que não consegue pagar em nenhuma circunstância, não é pelo bloqueio de documentos e cartões que isso vai acontecer. Do contrário ela passa a ser uma punição injusta.”
Apesar de ser cada vez mais usada, a suspensão de documentos também vem recebendo críticas de juristas e advogados. Para Antonio Carlos Morad, especialista em direito tributário e empresarial do escritório Morad Advocacia Empresarial, essas medidas “ferem o princípio da dignidade humana” e representam uma diminuição de direitos. “Quando você suprime o direito do indivíduo, e a CNH é um direito, você depaupera esse indivíduo, empobrece, coloca ele numa condição inferior a dos demais.”
Segundo o advogado, essas medidas podem até dificultar o devedor a quitar seus débitos. “Temos que tomar cuidado. O Judiciário está invadindo direitos constitucionais.“