Por Edilson Cezar Xavier
No coração das terras capixabas, entre estradas precárias e comunidades isoladas, surgiu um missionário cujo legado ainda ressoa nas memórias do povo e nos templos que ajudou a edificar. Padre Fernando Vitale nasceu em Caivano, na região de Nápoles, Itália, em 23 de novembro de 1914, filho de Ferdinando Vitale e Maria Paone Vitale.
Desde cedo, sentiu o chamado da fé e ingressou na Congregação Passionista, fundada por São Paulo da Cruz no século XVIII. O carisma passionista é enraizado na contemplação da Paixão de Cristo e no compromisso com os mais necessitados. Em 1933, professou seus primeiros votos religiosos em Paliano e, seis anos depois, foi ordenado sacerdote, em 3 de junho de 1939, em Nápoles.
Antes de partir para a missão no Brasil, atuou como diretor de seminário e professor de matemática, tanto em sua terra natal quanto, posteriormente, no Brasil. Mas foi no interior capixaba, com suas serras, trilhas e comunidades dispersas, que encontrou o cenário ideal para viver plenamente seu chamado missionário.
Fé a cavalo, de burro e de lambreta
Padre Fernando foi um dos primeiros religiosos a evangelizar o norte do Espírito Santo — especialmente em Barra de São Francisco, Ecoporanga, e no povoado que viria a se tornar Água Doce do Norte. Também estendeu sua missão a localidades como São Silvano (Colatina) e Jardim América (Cariacica), além de Minas Gerais, onde viveu em Belo Horizonte e se estabeleceu definitivamente em Barbacena, em 1998.
Os caminhos eram árduos. Inicialmente, percorreu trilhas fechadas na mata montado em sua fiel mula — chamada Pepinella, ou Pepino, em português. Mais tarde, adotou uma lambreta, que lhe permitia cobrir maiores distâncias. Recusou-se, no entanto, a aprender a dirigir carro. Talvez por convicção, talvez por fidelidade à simplicidade que abraçara.
Nas comunidades formadas por agricultores, quase todos analfabetos, não havia igrejas nem estruturas paroquiais estabelecidas. Padre Fernando improvisava missas sob árvores, em tulhas de moradores, e permanecia dias inteiros em cada localidade, ensinando catequese, celebrando batismos e casamentos.
A comunicação era outro desafio. O sacerdote falava um português carregado de sotaque napolitano; os moradores, um dialeto rural. As missas, ainda em latim, exigiam mais do que palavras — pediam presença, fé e escuta. E nisso ele era mestre.
Um templo para o povo
Evangelizar, para Padre Fernando, ia além da palavra. Ao lado do também passionista Padre Alfredo Sabetta, idealizou e ajudou a erguer a imponente Igreja Matriz de Barra de São Francisco, inspirada na Basílica de São Gabriel de Nossa Senhora das Dores, na Itália. O templo, construído em estilo românico com pilastras imponentes romanas, é considerado a única réplica da basílica original fora da Europa.
Mais que uma obra arquitetônica, a igreja foi expressão concreta da fé vivida em comunidade: campanhas de doação, mutirões de fiéis, transporte de materiais, e até o próprio padre — de hábito negro e coração fervoroso — misturado aos pedreiros, carregando tijolos e massa de cimento.
Um legado que vive
Padre Fernando retornou poucas vezes à Itália. O Brasil tornou-se sua pátria afetiva — ou, como diziam os fiéis, “a terra do seu coração”. Faleceu em Barbacena (MG), no dia 3 de novembro de 2013, apenas 20 dias antes de completar 99 anos.
Mas seu legado permanece. Está nas trilhas por onde passou, nas igrejas que ajudou a construir, nas famílias que orientou, e sobretudo na fé que cultivou entre os mais simples. Como tantos passionistas antes dele, sua vida continua sendo um testemunho de que a Paixão de Cristo inspira esperança, proximidade e transformação.