“A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago”. A frase escrita por Carolina Maria de Jesus, no livro ‘Quarto de Despejo’ (1960), já dava a ideia sobre o que era fome, num Brasil que ainda não levava em conta esta questão.
O tempo passou e a partir dos anos 1980 houve o grande êxodo para os centros urbanos e com ele, os problemas de concentração, dentre eles, a fome. Desde então, houve muitos avanços de programas de combate à fome e políticas de acesso à renda e em 2014, o Brasil, enfim, conseguiu sair deste mapa.
Infelizmente isso não durou muito tempo e o país relaxou com as políticas sociais retornando para o mapa da fome. Com a chegada da pandemia, esta situação ficou ainda mais acentuada. Enquanto o número de vítimas engrossa essa triste estatística devido à perda de empregos e limitação dos investimentos em políticas públicas, os gatos foram direcionados ao combate à doença, ignorando que a situação de vulnerabilidade social também colabora com a pandemia.
O número de pessoas que ajudava, diminuiu e muitos deles, agora, precisam de ajuda. Até o momento o país não tem um plano nacional de combate à fome, assim como não possui planejamento unitário para controlar a pandemia e, mesmo depois de quase dois anos vivenciado esta triste experiência, continua desorientado. Isso já custou muitas vidas e infelizmente muitas outras, vão perecer, se não pela doença, será pela fome. Enquanto isso o brasileiro pobre e desamparado, mesmo sem conhecer a literatura de Carolina Maria de Jesus, passa a compreender o significado das palavras do seu livro: ‘ter só ar dentro do estômago’.
Edilson Xavier é escritor, formado em Línguas e Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).