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Rondônia: Da floresta ao pasto

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Muitos vivem a vida toda em um mesmo lugar e, a seu modo, podem até ser felizes, no entanto, é bom saber que além do nosso pequeno universo existe um planeta inteiro esperando para ser explorado. Com este pensamento arrumei a mala e parti rumo ao Norte do país chegando até Rondônia esperando encontrar verdes matas e, quem sabe, muitos índios. Este era o meu desejo, assim como, acredito eu, a expectativa de todo aquele que viaja para a Região norte do Brasil.

Após sair do aeroporto de Vitória no final da tarde e fazer duas conecções, uma em São Paulo e outra em Brasília — nesta última foi especial, era notória a beleza da iluminação noturna da capital brasileira. Depois de oito horas de voo, a contar pela origem, enfim pude chegar à capital de Rondônia, Porto Velho, e ter contato com o fuso horário local que é uma hora a menos em relação ao horário de Brasília.

No hotel se podia ver pessoas de várias etnias como italianos, alemães, chilenos, bolivianos e brasileiros, é claro. As ruas eram largas havendo apenas o sentido mão e muito tranquilas sem os tradicionais barulhos dos grandes centros urbanos. A ausência de prédios era notória e os enormes quarteirões englobavam na sua maioria casas.

Em dez dias pude passar pelos municípios de Porto Velho, Itapuã do Oeste, Ariquemes, Monte Negro e Campo Novo de Rondônia. Mas as matas verdes? Parece que estas ficaram num passado não muito distante e cederam lugar ao gado, principalmente da raça nelore. O desmatamento construiu grandes campinas com pastos que somem no horizonte para alimentar quem é amante do churrasco de carne de boi.

Pude participar de um casamento em Campo Novo de Rondônia onde vivenciei o preparo da festa. Na véspera chegou um gaúcho para sacrificar uma vaca. Aliás, Rondônia é composta de povos advindo de muitas partes do Brasil, principalmente do ES, MG, SP, RS e PR. Detalhe: a vaca estava grávida não tão longe do parto. O animal foi laçado e preso numa repartição do curral. Parecia que todos os outros bois sabiam do destino, pois, enquanto a vaca que seria sacrificada berrava num berro desesperador, o gado corria ao redor do curral aterrorizado.

O gaúcho possuindo grande habilidade nesta prática, sem esboçar nenhuma emoção, apontou o peito do animal com um enorme punhal e desferiu-lhe o golpe que o levaria a morte. A vaca deu três berros arrepiantes que me deixou totalmente desconfortável e depois disso, se concentrou na sua dor. Eu queria sair dali correndo, mas também queria ter a experiência de ver um animal grande ser abatido pelos métodos, local. Enquanto o animal agonizava o gaúcho e os seus dois auxiliares bebiam cerveja gelada esperando o animal morrer. Entre um gole e outro de cerveja, a vaca foi perdendo o sangue como uma cachoeira jorrando de modo que se ouvia o barulho do sangue sendo bombeando pelo coração partido pelo punhal e formando um lago vermelho no chão do curral. Enquanto a mãe, ajoelhada, perdia a sua vida, em sua barriga o bebe se debatia desesperadamente na tentativa de sobreviver. Foi uma luta em vão, pois, em uma jornada eterna que durou cerca de quinze minutos, mãe e filho perderam a vida para alimentar uma multidão que se alegraria com a festa de um casamento.

Confesso que essa foi uma das cenas mais impactantes que vivenciei, mas era preciso enxergar que existe um mundo além daquela que vivo e se é certo ou errado não cabe a mim, julgar. Perguntei se não era possível dar uma machadada na cabeça da vaca e aliviar de forma breve o sofrimento do animal, então o gaúcho respondeu dizendo — Barbaridade tchê, tu tem que escorrer todo o sangue pra carne ficar mais saborosa. — Após escarná-la, as partes foram dependuradas até a manhã do dia seguinte. Não sei se a carne ficou mais saborosa, mas quanto a mim, fiquei dois dias sem ter fome até o corpo sentir fraqueza para voltar a me alimentar.

Rondônia pode até apresentar, a princípio, alguma estranheza no modo de falar, pois, foi formada pela, a mistura de povos de vários estados brasileiros ao longo de décadas, dessa forma, ela foi construindo o seu jeito próprio de falar deixando o turista sem entender parte de muitos diálogos. Por exemplo, quando o rondoniense fala que está “brocado” ele está dizendo que está com fome e quando ele diz que quer leva a sua “boroca” ele está dizendo que gostaria de carregar a sua mala, já se disser que vai “cair na buraqueira” significa que deseja ir para a farra. Esta riqueza lexical (vocabulário) faz com que o povo rondoniense se solidifique culturalmente.

Não encontrei em Rondônia as matas verdes que procurava e tão pouco os índios que fantasiei, ainda que existam em regiões mais afastadas das que visitei, mas trouxe na bagagem ou como diria o rondoniense: na boroca, a experiência de que o Brasil é muito grande e rico em cultura. O mundo possui muitos mundos a serem desvendados e, muitas vezes a cultura local pode até nos chocar, todavia não é pior, ou melhor que a nossa e sim um jeito novo de se viver.

 Ainda vale lembrar que existe uma vastidão a ser explorada, portanto, o mundo que achamos ser o único na nossa visão, muda de valor a toda vez que encontramos outros povos com culturas diferenciadas. Se e quando puder dê um presente a si mesmo: viaje mais! A cada viagem, uma nova experiência.

Edilson Xavier é escritor, formado em Línguas e Letras pela Universidade Federal do Espirito Santo (UFES).

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