Vereadores da Câmara Municipal de Água Doce do Norte protocolaram, junto à Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, uma representação contra a juíza Roberta Holanda de Almeida, titular da Comarca, e sua assessora de confiança, Rosane Teixeira Coimbra Elizeu.
O documento, assinado pelos parlamentares, levanta suspeitas de parcialidade e favorecimento político na condução de processos e pede uma apuração rigorosa, com eventual responsabilização das envolvidas.
Segundo a denúncia, a assessora Rosane, responsável pela elaboração da maior parte das minutas do gabinete, posteriormente assinadas pela magistrada, teria se valido da posição de confiança para influenciar decisões judiciais em benefício de um grupo político específico.
O suposto favorecimento estaria direcionado ao vereador Emerson Guerson Salazar, aliado do ex-candidato a prefeito em 2024, Charles Felisbino Teixeira, irmão da assessora e figura de destaque na política regional.
As decisões contestadas envolvem dois processos ajuizados pelo vereador Emerson Guerson Salazar contra a Câmara Municipal de Água Doce do Norte.
No processo nº 5000497-46.2025.8.08.0068, a juíza determinou a suspensão de um procedimento interno da Câmara que investigava possível quebra de decoro do parlamentar.
Segundo os vereadores, além de antecipar integralmente o mérito da controvérsia em sede liminar, a magistrada adentrou competência privativa da Câmara Municipal, a qual, nos termos da Lei Orgânica e do Regimento Interno, detém a atribuição de interpretar e decidir sobre a configuração de quebra de decoro.
Já no mandado de segurança nº 5000480-10.2025.8.08.0068, a magistrada ordenou a reintegração de um assessor exonerado pelo presidente do Legislativo.
O assessor havia sido exonerado pelo Presidente da Câmara Municipal, por ocupar cargo comissionado de livre nomeação e exoneração, conforme expressamente previsto em lei.
De acordo com os vereadores, mais uma vez, a magistrada avançou indevidamente sobre o mérito de ato administrativo da Câmara Municipal de Água Doce do Norte.
Outro ponto destacado na representação é a concessão de gratuidade de justiça ao vereador Emerson, que, mesmo recebendo remuneração líquida superior a R$ 4.600,00, foi reconhecido pela magistrada como “pobre na forma da lei”, ficando dispensado do pagamento das custas processuais.
Os vereadores, na denúncia, citam um precedente recente em que a mesma juíza negou o benefício a um cidadão com renda pouco acima de R$ 2.400,00, fato que, segundo os parlamentares, levanta dúvidas sobre a uniformidade e a imparcialidade dos critérios adotados.
A representação também critica a celeridade incomum das decisões, todas proferidas em cerca de 30 dias, prazo considerado atípico diante da morosidade de inúmeros processos que se arrastam por anos sem solução.
O documento da denúncia relata ainda um episódio ocorrido na sessão extraordinária de 16/09/2025: na ocasião, já havia sido proferida decisão liminar determinando a reintegração de um assessor parlamentar, mas o presidente da Câmara ainda não havia sido intimado para dar cumprimento a ordem judicial.
Segundo relatos dos vereadores presentes, Charles compareceu à sessão e, ao identificar a presença do presidente, entrou em contato telefônico com Rosane, que imediatamente acionou o Oficial de Justiça, solicitando o cumprimento do mandado de intimação relativo ao processo nº 5000480-10.2025.8.08.0068.
Segundo esses mesmos vereadores, pouco tempo depois, o Oficial de Justiça compareceu ao local para dar efetividade à ordem judicial, fato que evidencia uma celeridade incomum, capaz de gerar dúvidas legítimas quanto à regularidade da forma e dos meios empregados na execução da medida.
Os vereadores relataram também que Charles, atualmente ocupando o cargo em comissão de Adjunto de Gabinete de Representação Parlamentar, nomeado pelo Presidente da Assembleia Legislativa e lotado no gabinete do Deputado Estadual Alcântaro Filho, declarou em diversos vídeos amplamente divulgados nas redes sociais, em discursos exaltados, que reverteria qualquer decisão da Câmara Municipal que fosse desfavorável a Emerson.
Para esses vereadores, tais manifestações, que poderiam aparentar confiança na Justiça, revelam, na prática, que essa suposta “confiança” não se baseava na imparcialidade do Poder Judiciário, mas na convicção de que as decisões seriam favoráveis devido aos vínculos mantidos no gabinete da Juíza Roberta Holanda de Almeida. Eles relataram que em vídeo divulgado nas redes sociais, Charles Felisbino Teixeira aparece ao lado do Deputado Alcântaro Filho agradecendo expressamente à Juíza Roberta Holanda de Almeida pelas decisões tomadas em benefício de Emerson.
Sobre a assessora, a denúncia dos vereadores diz que, embora de forma ainda discreta, Rosane possui atuação política ativa. Que além de ser irmã de Charles Felisbino Teixeira, ela é filiada ao PRTB, partido no qual ocupa o cargo de secretária do diretório municipal. Para os vereadores, o detalhe ganha ainda mais relevância ao se considerar que o vereador Emerson Guerson Salazar foi eleito pelo mesmo partido.
Possível violação da Constituição e da LOMAN
A Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura (LC nº 35/79) proíbem expressamente juízes de se envolverem em atividades político-partidárias. Para os denunciantes, permitir que sua assessora, filiada a partido e irmã de liderança política, influenciasse diretamente decisões do gabinete poderia configurar grave violação de princípios constitucionais e legais.
O documento solicita a instauração de procedimento administrativo disciplinar contra a magistrada e sua assessora, além do envio de cópia dos autos ao Ministério Público e à Polícia Civil para apuração de eventual prática de advocacia administrativa (art. 321 do Código Penal) e outras condutas ilícitas.

